Entre tudo que se passou, ficamos apenas observando essa fenda se abrir (cada vez mais profunda e larga), esperando, quem sabe, que o primeiro salto não seja o de si próprio. Esperando o pulo desesperado da outra pessoa, porque mesmo com a imensa vontade de pular há um medo natural de que, talvez, outra pessoa te empurre. Mas não deveria existir, não especificamente em você, porque você bem sabe o quanto eu esperava por seu pulo.
E não houve pulos, nem palavras...
Passamos esse ultimo mês apenas observando aquela pequena fenda se transformar
nesse imenso abismo. Ambos distantes, com a vaga memória do tempo em que ainda se
podia pular. Pular para o outro lado... O lado em que um de nós estava. Onde
ainda não se havia o risco de cair na profundeza desse buraco.
Estamos agora cada um do seu
lado do despenhadeiro. Eu gritando e acenando para você. E você ensaiando sua
queda... Sempre tão perfeccionista não é? Cada passo para o fim é
ensaiado. E você observa de longe minha reação de desespero a cada simulação do
fim.
Provavelmente você nunca me veria acenando e pedindo
para esperar mais um pouco antes do seu último salto, porque você só me olha
quando minha voz já esta fraca demais pra se ouvir dai, quando estou cansada demais
pra acenar. E ai eu fico de longe te observando chegar cada vez mais perto da
beirada. A cada movimento você faz questão de ter a certeza de que estou te
olhando, cada passo é friamente dedicado a mim.
E lá vai você caminhando mais
uma vez para a margem do buraco, simular outra queda. E dá os seus passos: um,
dois, três, mais 1 passo e você ficaria perto demais desse despenhadeiro. Você
já esta perto demais. Me olhando, dedicando silenciosamente o seu ultimo passo,
e seu corpo balança para frente e para trás, no ritmo do meu desespero. E então
o meu rosto queima, meu corpo no chão se arremessa para frente. E quem quase cai
dessa vez, sou eu. E você ainda me olhando joga o seu corpo pra trás novamente
e se afasta. Balança a cabeça e diz que só estava se aproximando de alguma
forma. Mas você sabe, eu sei, você queria pular... Você queria me deixar, ainda
que do outro lado, sozinha. E eu quase cai. Sem ameaças e nem simulações... Eu,
apenas, quase cai.
Não pula agora meu amor.
Alinne Ferreira