é só mais letras.

domingo, 28 de agosto de 2016

se eu deletar todas as ruas por onde passamos, será que você some também?
as ruas, os prédios, as vielas, os espaços
e se eu deletar todas as músicas?
as vozes, as sinfonias, as melodias, os acústicos, aquilo que ouvíamos juntos e não queríamos mais soltar?
e se eu deletar o gosto das comidas que passaram pela minha boca enquanto eu estava com você, o que é que fica?
o dia que fomos àquela hamburgueria, os almoços de domingo, os chocolates, as balas, a saliva do beijo, o gosto do sexo. se eu excluir tudo isso, o que é que fica?

se eu desvencilhar sua presença da cidade, da faculdade, das igrejas, dos mosteiros, do país, aonde é que você existirá?

se eu extirpar todas as lembranças das idas à livraria, dos cinemas na Augusta, das brincadeiras de correr um atrás do outro em plena avenida intransitável; se eu deletar você e tudo que você me deu; se eu simplesmente te deletar como se deleta um álbum de fotos do IPhone; se eu não voltar nunca mais aos ambientes que fizemos nosso; se eu estalar meus dedos e de repente deus tocar no meu cérebro um esquecimento; se eu passar uma borracha do tamanho do mundo em cima da Rua Consolação e de tudo que ousar proclamar seu nome?

e se eu fosse você por um dia e resolvesse deletar cada célula respiratória que te constitui? será que você ainda se gabaria de ter sido o mais ileso da história?

me apagar não fez de você melhor. eu ainda vivo.


textos crueis demais para serem lidos rapidamente

sábado, 27 de agosto de 2016

um fato engraçado

(fato engraçado: o carro do meu ex-namorado é igual ao do meu pai. toda vez que entro no carro dele, meu corpo me dá um sinalzinho de mal-estar/desconforto. ele entra em modo avião, eu falo "tá tudo bem, não é mais ele" e seguimos viagem)
textos crueis demais para ser lidos rapidamente

terça-feira, 23 de agosto de 2016

o dorso da baleia solitaria


Segundo Bukowski, o amor acontece a cada dez anos
Você me falou
Precisamente o que você me disse foi
O amor acontece a cada dez anos
E eu acabo de chegar aos dez

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Eu te lembrei do jantar
Do meu cabelo
E da forma como o teu corpo se movia ao redor do meu
Eu gostava de acreditar que você sabia o que estava fazendo
Que os movimentos bruscos, rápidos e certeiros
Remetiam a algo como certeza, domínio e
qualquer coisa similar ou mesmo igual a segurança.
Eu tenho vergonha
Foi a primeira coisa que você me falou
Eu tenho vergonha de tudo

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Imagine se fosse seguro
Respondi certeira
Neste exato momento eu embarquei
Em direção ao poço sem nome
Porque algumas coisas não tem nome
E outras a gente só não sabe

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Por falar em jantar
Foi lá que eu conheci o menino nômade de oito anos
Que me recitou um poema:
Quando você se afastar,
Faça devagar e suavemente
Faça como se eu estivesse morrendo
No meu sonho em vez da minha vida.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

As mensagens não paravam de chegar
E o meu medo você viu como charme
Se você se comportar, te levo café da manhã na cama
Você me falou
Você terá que ler a minha autora preferida
Eu te disse

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Enquanto você me apresentava os homens da sua vida
Eu te cobria com os abismos das minhas mulheres
Não espere para ter certeza, mexa-se mexa-se mexa-se
E eu achava que você sabia do que eu estava falando

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Você gosta do amargo.
Você me falou.
Gosto do que se despe e te despe
Independente do sabor.
Eu te respondi.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Eu te comprei um livro vermelho
Comecei a grifa-lo quase que secretamente
Porque eu sabia que só o entregaria no fim
E vieram os desenhos, as escritas e todo o peso do meu corpo
Era pra você o livro
Depois eu soube que você achava um sacrilégio modificar a obra original
Mas era pra você o livro despido
Cada um pode mudar de opinião a hora que quiser.
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Tua voz é boa, segura. Eu gosto.
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

No poço sem nome
Pude tocar os minutos do teu tempo
Eles pairavam no ar
E o brilho da pausa me desestruturava
Acho que foi isso que me manteve por perto
Dança comigo?
Você me perguntou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Eu não sei dançar a dois
Respondi
Deixa que eu te conduzo
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Aos vinte e sete anos eu gostava de explicações
Não de entendê-las, mas de possuí-las
Eu não sou bom para explicar as coisas
Você me falou
Mas eu sou boa de entender
Eu respondi.
Eu sou estranho.
Você me falou.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Por um breve instante eu saí do poço sem nome
E foi sem suavidade e rápido demais que eu te avisei
Isso tem um fim
Não sou homem pela metade
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Tenho problemas em dormir junto
Eu te disse
Tenho aqui uma escova de dente nova
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Você me estendeu um contrato
Um contrato de que eu poderia ir embora
A hora que eu quisesse
Mas que,
Sem dúvidas,
Você protegeria o menino nômade
Mesmo que pra isso tivesse que ir embora antes
E eu grifei no livro vermelho
Sobre os leões que rugem contra Deus
Quando percebem que seus focinhos são iguais.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Tempo
Tempo é uma coisa que eu não entendo
Mas eu respeito
Só me diga quando
E você se segurou nos teus trinta anos de idade
me garantindo clareza

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

De volta ao poço sem nome
Eu descompassava
Como se aquilo fosse eu
Também quero te ver, acredite.
Você me falou

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Soube de um poema cujo verso dizia:
Que coisa mais linda esse ácido despenteado, caramba.
O ácido é o desoxirribonucleico, DNA ou simplesmente, sangue.
Eu acho o meu sangue vermelho demais.
Eu te disse.
Você me abraçou.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Eu não acredito nesse fim.
Você me falou.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

E depois disso eu caí em outro poço
Esse tem nome
E eu sei o nome
Mas não quero falar aqui

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Numa esquina qualquer
No tempo exato
A vida gritou para eu sumir
Eu grifei no livro vermelho:
Não sou de choro fácil.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Quer ir ao parque?
Eu te perguntei.
Vou num tempo diferente do seu.
Você me respondeu.
E eu perguntei se esse era o fim.
Os cachorros me deram uma direção na vida incrível.
Você me respondeu.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Num passado próximo
Rebobinando apenas alguns dias
Eu me gravei dançando sozinha pra você
Ao meu lado, uma taça de vinho
Ao seu lado, você escancarou ao mundo, feliz, o encontro de duas
As minhas células ressoaram uma dor intangível
O contrato sempre foi de desapego e eu não te devo nada
Você me falou
E eu entendi que a baleia era eu.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Então eu abri a porta da memória
E me vi sentada na cama preta
Com o coração acalentado
Ao ver raízes nos seus olhos e excitação
Não tenho pressa em te conhecer.
Você me falou.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Essas coisas acontecem assim, inesperadamente.
Você me falou
Não se engane, você sabia que havia chegado aos dez.
Eu deveria ter dito.
Eu não sei quantas vezes eu te vi nua
Você me falou
Acho que nenhuma
Eu deveria ter dito.
Não dou chance ao azar.
Você me falou.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Minha mãe não teve contrações durante a minha gravidez.
É falta de coragem.
O médico falou
Nesses casos específicos, o bebe permanece durante alguns dias a mais no útero.
Durante este tempo, desenvolve um canal ligando o osso que eu não sei o nome que fica no extremo da cabeça com o outro osso que eu não sei o nome e que fica no extremo do calcanhar esquerdo. O canal atravessa o dorso e move a baleia. A falta de coragem é recompensada por um subterfúgio para sentir. E ela sente tudo. Ela é um canal e um canal é sempre atravessado.

I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito

Eu prefiro ser a garota
Ou a baleia
Que tem um canal nas costas
E que te escreveu um poema.
Porque eu gostaria de segurar a sua mão, nada mais.


Cassiana Maranha

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

inferno astral

2016 foi o pior ano da minha vida.
sem drama, juro. é só um fato.
você ja teve o pior ano da sua vida?
você ja sentiu tanta dor psicológica ao ponto de não conseguir respirar?

Eu pensei em me matar, não por me achar insuficiente ou por acreditar que não seria feliz nunca mais... Eu tentei me matar 2 vezes porque a dor era tão insuportável que nao me importava se ia pro céu ou inferno, qualquer lugar parecia melhor do que estar ali, sentindo todo o peso do mundo, sozinha. me entende? QUALQUER LUGAR seria melhor do que sentar na sala da sua avó paterna e não conseguir segurar o choro na frente de todos os seus familiares. erguer a cabeça e encarar todos te olhando com aquele olhar de dó. todos. assistir sua mãe chorando no banheiro, chorando e orando pra que alguma divindade me ajudasse a passar por isso. ter que ligar pra sua amiga as 3 da manha porque as vezes a madrugada era cruel demais e você sente que não vai conseguir passar por ela sozinha. ver a mãe dele olhar meu desespero as 23hrs sentada no sofá da casa dela esperando ele chegar e dizer pra mim: "Aline, eu consigo sentir a sua dor daqui." choramos juntas.. doi nas duas. eu não esqueço das irmãs dele me olhando com dó, com os olhos cheios de lagrimas sem ter o que dizer. nessa hora, até elas sabem: nada conforta. vocês também sabem..

eu comprei calmantes naturais porque minha psicóloga nao confiava em me receitar remédios pesados. ela sabia o que poderia acontecer. Meus problemas começaram a aparecer fisicamente. peguei pneumonia, eu não aguentava de dor no pulmão e mesmo assim dormia no chão de propósito porque eu queroa que piorasse.. tive feridas nas pernas, ninguém nunca soube o que era.. tive gripes frequentes, infecção de garganta, dores agudas na cintura, tive mais feridas pelo corpo em razão da imunidade baixa, muitas aftas na boca, meu cabelo começou a cair muito, tenho a impressão que meus dentes tão apodrecendo, culpa do cigarro talvez. ou não. fiquei 6 dias sem comer ou beber nada. perdi 24kg depois de tudo. desmaiava nos lugares, mas quando eu acordava não era ele que estava ali, ele nunca estaria, ele nunca soube disso.

Mas eu procurei ajuda. procurei Deus, comecei terapia, consultas em psicologo, livros de superação, paginas que satirizam teu ex, procurei (como diz charlie brown) outras bocas e outros corpos. mas ainda ta aqui, menos dolorido, menos masoquista, mas ainda aqui. latejando. como uma fratura exposta. mas ninguém precisa saber o quanto doi ainda. nem ele.

é agoniante amar alguém assim. é dolorido. não existe beleza. não existe céu azul ou flores. é acordar todo dia e desejar a morte, em silêncio. ninguém pode saber, ninguém entende. é ter dias em que é preciso 4 banhos de 40 minutos no chuveiro, só pra chorar sozinha sem preocupar seus pais e amigos. é fugir de madrugada pra casa dele só pra ouvir a sua respiração e matar a saudade do sono inquieto durante 2 horas no frio, sozinha e depois subir pra sua casa com a sensação de gratidão. sim gratidão, por ainda ter a oportunidade de, mesmo que em segredo, vê-lo dormir sozinho, de longe. seguro. tranquilo.


Tudo me lembra ele, absolutamente tudo. O carro novo do meu pai, a ida e volta pra escola,  o caminho que fiz tantas vezes com ele. As ruas da cidade, o desejo de subir na torre da igreja, o cinema de Jundiaí, a cor do céu quando você esta na estrada e fica aquele azul com laranja e rosa, as musicas que tocam na radio, aquele perfume que todo cara usa, os meus livros, minha parede rabiscada com a letra dele, mil e uma juras de amor eterno, o ventilador dele que ainda esta no mesmo lugar que deixou, rosas vermelhas, nossa série favorita que agora assisto sozinha, os lugares que queríamos conhecer juntos e eu evito sempre (porque ainda quero estar la com ele), quando faço amor com qualquer outro cara, quando toca sertanejo, quando vou a igreja. quando faço uma oração suplicando pra que isso passe logo. quando vou comer um lanche e lembro que foi ele quem me fez gostar dessas porcarias. até coca-cola (ele era viciado em coca.) os sabados e domingos são eternos. chegar em casa de qualquer lugar e saber que não tem ninguém na sua cama essa noite. que ele não vai estar ali para querer segurar meu cabelo enquanto eu passo mal no banheiro de casa. saber que ele leva outras no mesmo lugar que descobrimos juntos, doi. mas tudo bem, eu deixo ele recomeçar. eu permito isso. eu tento liberar perdão, eu juro, eu tento.


Aline Ferreira 11.08.16