é só mais letras.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Carta suicida

Começaria, por mais de um milhão de vezes, melodicamente mais uma de todas as cartas que enderecei a ti. Mas nesta irei usufruir de minha parte amarga, pois foi o que me restou depois de tanta singeleza escrita para ti, creio que por, esta, ser minha ultima. Fico feliz que ao menos tenha um pouco da amargura das minhas letras em tuas mãos, já que as tantas outras cartas guardo num baú verde-oliva debaixo de minha cama. Tentarei ser breve, mesmo porque as dores já estão me tomando todo o corpo e a alma.

Esta tarde foi demasiadamente clara e calorosa, obrigando-me a um desagradável passeio ao parque, Confesso que as tardes desperdiçadas dentro de casa começaram a me fazer falta no exato momento em que fechei a porta por detrás de mim, mas não voltei. Segui em frente rumo ao parque extremamente cheio. Minha pele estava pálida demais, ao ponto de ouvir cochichos ao longo do caminho sobre como eu estava branca e com aspecto adoentado. Creio que se assustariam se pudessem ver a aparência de minh’alma.

Eu senti saudade de casa. Confesso. Faziam menos de uma hora que estava naquele parque cheio, com crianças brincando, casais vivendo e vidas simplesmente cursando a maré agitada que a vida lhes colocava. E eu senti uma, imensurável, falta de casa, da minha sala bagunçada, do meu quarto escuro e de como eu podia ser unicamente eu. Sem ter de fingir não ouvir os comentários corretos a respeito de minha aparência, sem sorrir forçadamente para garotinha que me faz caretas na fila de pipoca, sem ter que lidar a todo tempo com a dor de ver as pessoas vivendo e não poder, não conseguir mais manter-se respirando.

Creio que nunca se sentiu assim. E se por um acaso sentiu, a tua dor e vontade de acabar com tudo não se compara a minha. Eu apenas ficaria imensamente grata se eu recebesse algum sinal de que esta sentindo minha falta, ou alguma resposta sobre os textos que ando escrevendo sobre os teus olhos e tua alma. Se ao menos tu conseguisse me ler como poucas pessoas se dispõem. Se pudesse me dar algum misero sorriso teu, mas tu dizes que de ti eu só tiro lagrimas, me diga: como posso lhe tirar lagrimas se há tempos nada sai de ti? Como ousa dizer que tens medo, olha bem pra mim, como posso lhe ferir amando-te tanto a ponto de me dispor a ti e tuas mudanças? Não vê que lhe quero bem? Eu por sorte apenas cansei de fingir esquecer tuas partidas e te receber com um dos meus mais doces sorrisos. Foi só isso, então não arrisque falar que não te amei, porque se alguém amou nessa curta historia esse alguém fui eu.

E é por essa razão que lhe redijo esta carta, só queria que soubesse que toda amargura que ficou cresceu, cresceu ao ponto de tomar totalmente parte de mim. E a doçura que sobrava eu despejava nas cartas descrevendo tamanho vazio deixado por tua desprezível ausência e de como seria bom ter a ti do meu lado (numa falha e fútil tentativa de lhe convencer a voltar e ficar).

Mas tudo bem tu preferes voar e conhecer céus mais estrelados. Vai por ai procurando sorrisos mais doces e olhares mais calmos, fazendo-me assistir de longe seu vôo plaino e perfeito, com suas asas de plumagem limpa e branca. Enquanto nem as minhas tenho mais, e se tenho ficaram sujas por ter de passar por tamanhos lugares imundos a procura de ti.

Queria apenas que soubesse que não, eu não resisti a tamanho abandono de tua parte. Deixo-te hoje esta carta em mão e espero que a lembrança do meu sorriso em tua memória. Não preciso pedir para que siga sua vida, porque já fazes isso sem que eu ao menos lhe permita, mas peço, com suplica para, que não leia as cartas que estão talvez em baixo de minha cama. Acho que seria um tanto doloroso pra ti saber que tentei entregar os avisos antecipados e inocentes de minha prematura morte interna, na tentativa que tu viesses me salvar do ato que cometeria. Penso que poderia ser diferente.

Dormirei para sempre hoje, no fim desta carta. E quero que saiba que será no teu sorriso que tentarei lembrar quando meus olhos se fecharem. De quem um tanto te amou,
Ane Lisse.


Alinne Ferreira

domingo, 25 de dezembro de 2011

As doze faixas na madrugada de sexta anoite.



Fora três. Três frascos inteiros de remédios que Lucia tomou. O primeiro continha alguns poucos comprimidos que restavam, os quais foram engolidos com certa agilidade. O segundo tomou calmamente entornando um vinho barato para ajudar a engolir de dois em dois comprimidos que lhe enfiava na boca. Já o terceiro levou para o quarto consigo e os ingeriu à medida que uma musica se seguia.
Musicas que Luci dedicou-se a escolher. Noite passada gravou um cd com suas favoritas e as que lhe haviam marcado algum momento de sua curta vida. Eram 12 faixas, 12 melodias extremamente dela, em algumas poucas exceções, Lucia permitiu-se dividi-las com outro alguém.
No quarto extremamente escuro e vago, Lucia se mantinha em uma cama num dos cantos, com o franco cheio em mãos e uma roupa bonita. Ela usava um vestido, talvez branco ou talvez cinza ao certo não sei, mas estava bonita. Estava bonita de mais pra morrer.
Começou o terceiro frasco de remédio ouvindo About a Girl da banda Nirvana,

I'll take advantage while
You hang me out to dry
But I can't see you every night
Free, I do...


Moveu os dedos entre os poucos cabelos e chorou, chorou depois de tanto tempo seca. Tagarelou a canção baixinho entre os soluços do choro. Havia tanto de luci em cada verso. Quanto tempo faz? Quanto tempo fazia desde a ultima vez que chorou? Há quanto tempo faz que, aquela menina miúda de cabelos escurecidos, preferiu guardar tudo ali dentro mesmo que aquilo a estivesse dilacerando, mesmo que toda aquela dor retraída causasse sua morte interna. Mas estava tudo tão bem com aquela pequenina, parecia. Eu juro que parecia.
Luci não se matou. Luci queria viver. Luci tentou viver, mas o amor, seu amor, há permitiu.
A musica termina. Há agora, aparentemente, um curto silencio entre uma canção e outra no quarto vazio e negro. Um silencio mórbido contando lentamente as batidas do seu coração, agora mais lento. Um... Dois... e outra canção começa. Fez Lucia sorrir, Strawberry fields forever Lembrou-se de quando ouviu Beatles pela primeira vez, a musica que a tanto define hoje, agora.


Viver é fácil com os olhos fechados
Sem entender tudo o que você vê
Está ficando difícil de ser alguém
Mas tudo funciona bem
E isso não importa para mim

Lucia, viver foi fácil. Viver era fácil quando entoava a canção sem sentir as dores da melodia.
Os quatro últimos comprimidos estão dançando na caixa e fazendo seu ultimo rodopio ate descer pela sua garganta. Lucia, exausta, recosta o corpo na parede que deveria ser branca. Luci suspira... lá se vai as outras cinco musicas do cd, aquelas cinco que lhe recordava a infância. A oitava faixa começa, a que trazia seu pai cantando uma de suas composições para a pequena:

Veja anjo, veja como esta claro lá fora.
O dia acaba de nascer pra você
Sorria pra ele.
Venha, venha aqui fora e dance comigo
Vou cuidar de você pra sempre. Tu és meu anjo agora.
A voz rouca aparentemente embriagada a fez faltar o ar, ficou sem respirar. Essa era uma das musicas que Lucia a permitia compartilhar era a musica dela e de seu pai. De repente não havia oxigênio suficiente pra lhe encher os miúdos pulmões, já estavam fartos de tamanha dor. Seguiu assim durante algumas canções do cd.
Luci quis voltar, queria fazer as dores no estomago diminuir. Lucia queria vomitar, queria viver. Inclinou-se a frente de seu corpo deixou o frasco cair de sua mão e deitou-se na cama gelada, sorriu.
Ela queria viver.
Houve outra vez um silencio notório e longo ate o começo da ultima canção...
Não consigo olhar no fundo dos seus olhos
E enxergar as coisas que me deixam no ar, deixam no ar
As várias fases, estações que me levam com o vento
E o pensamento bem devagar..
A musica ficou em tons baixos, os pequenos olhos inchados de Lucia foram se fechando imperceptivelmente. Não! Pensou ela, agora não. Essa é minha musica, a musica que dividi com aquele moço do parque. Eu quero ouvi-la. Pela ultima vez, por favor... Agora não, deixe-me cantá-la...
Sua suplica quieta foi calada. O escuro das pálpebras revelou a face do tal homem, lá mesmo, no parque. Uma troca de olhares e algumas poucas palavras. Foi bonito os dois parados em meio o parque. Foi bonito ver a doce Lucia amar, amargo é vê-la desfalecer nos braços do tal moço.
Luci com os olhos ainda fechados assistindo em suas pálpebras o tal moço, sorriu.
‘’Abre os olhos Luci, abre os olhos que tu estas nos braços do moço. Só abra os olhos Luci.’’

Um tanto atormentada, Alinne Ferreira

sábado, 17 de dezembro de 2011

O moço que virou anjo, ao meus olhos


Escreverei sobre um anjo. Um destes tantos que não possuem cabelos dourados e nem lindos olhos azuis. Mas um anjo que me permitia usar antes de seu nome um pronome possessivo. Meu, meu doce Gabriel. Sempre precisei de um longo tempo ate saber precisamente como descrevê-lo e ainda assim não havia definição apropriada pra tamanha beleza, tentei por diversas vezes, mas de nenhuma forma como o descreverei hoje.

Seus olhos, escuros, profundos e assustadoramente calmos. Seu simples olhar era fielmente capaz de lhe afogava em tamanha tristeza que lhe trasbordava dos olhos. Eram duas janelas miúdas para sua alma, janelas estas que ele mantinha orgulhosamente fechadas por um espesso vidro enevoado e por dentro mantinha tabuas e cortinas densas que impediam qualquer vestígio de luz adentrar. Cheguei a comparar seus olhos negros ao mar, mas logo vi que nem mesmo o mar, com toda sua grandeza, possuíam tamanha assombração e homicídio carregado em sim. Sim homicídio, os olhos daquele homem eram homicidas. Havia uma vontade imensa em mim de me afogar naquele mar, de carecer sobre aquelas janelas escuras, mas antes de qualquer ato de minha parte, aquele homem dos olhos de janelas escuras e mar aberto me matou primeiro. Fuzilou-me com sua janela entreaberta e assustou-me com seu medo de me deixar afundar. Matou-me quatro vezes, e em nenhuma eu estava perto suficiente. Era necessário apenas o descuido de lhe olhar nos olhos.

Sobre o seu sorriso tenho poucas palavras para descrevê-lo, nunca fui boa pra relatar algo que me faz feliz, mesmo que raramente. Lido melhor com o que me entristece. Bom, seus sorrisos sempre foram longe dos meus olhos, longes o suficiente para ansiar fotografá-los. Seus lábios eram finos, pequeninos demais para os meus, havia uma vermelhidão agradável por entre a junção de seus lábios, quando se abriam era como a canção doce da chuva encontrando o solo depois de uma tarde quente, trazendo alivio, calma, mas eram raras as canções, ele sempre mantinha a boca fechada, serrada, me fazendo por diversas vezes tentar (falhamente) interpretar algum de seus sorrisos esboços, escondidos e apagados em seu rosto fino. Sobre os dentes havia em mim uma vontade imensurável de ter os meus lábios presos neles, vontade que foi amenizada por um de meus sonhos com o tal anjo.

Os tais cabelos marrons que delineavam seu rosto, dava a si uma moldura mais sutil, o deixava com espectro mais jovem. Estava sempre desalinhado, despreocupado. Uma mecha insistia em vendar um de seus olhos dando-me uma vontade de lhe cortar o cabelo oleoso. Porem nunca o fiz, provavelmente nunca farei, nem mesmo quando eu tive a chance. Na verdade sua mecha de cabelo sobre um dos olhos me atraia, fazia-me querer ainda mais viver com ele.

Ao contrario do que se pensaria, ele possuía asas. Não eram físicas, ou com penas. Me anjo mantinha suas asas em sua alma. Aquela alma tão escura e negra, sobre ela ainda tenho receio a descrever acho impróprio mensurar esse tão interminável abismo que era sua alma.

Se possuísse uma cor, seria cinza. Junção de todas elas 
quando uma criança brinca com massa de modelar.
Se nela houvesse um som, seria o de uma tempestade 
ao fim de novembro. Forte e imponente.
Se fosse um mês, seria dezembro. O fim.
Se fosse uma estação, seria outono. 
A que trás o fim das flores.
Se meu anjo fosse uma palavra,
seria fim.

Por: Alinne Ferreira

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Laços

Quantos foram os laços em que nos atamos juntos, e que você, tão incompreensível os desatou. E eu tive que lidar sozinha com a dor que ficou das marcas apertadas em meus pulsos. Cada nozinho, entre as amaras, lembra-me uma promessa nova. Promessas essas desprendidas e esquecidas por ti de uma forma tão repentina...

Sobre o que ficou guardo: Tenho a fita cor-de-rosa que prendeu-nos um ao outro, tão minúscula agora, dentro de minha caixa torácica no fundo de um órgão tão desprendido e desligado de mim. E os dias agora são em variados tons de cinza, nunca há uma pausa nessa chuva fria e fina que inunda de tristeza a minha vida e minha casa. Não há mais laços, nem os invisíveis que deveriam permanecer entre as fotos (agora queimadas) que tiramos em setembro, há agora, somente um nó preso em minha garganta seca, me impedindo de telefonar, e ate mesmo falar. Há também um vazio imensurável na gaiola em que construímos e nos prendemos juntos depois de que você, por vontade própria, me abandonou e decidiu migrar pra longe de meus braços acorrentadores.

Foi durante essa noite que percebi: os laços que te dei eram frouxos demais, fáceis de desfazerem. Já os que me deu não eram laços, eram algemas.

Estou pensando em me render a algumas coisas que prometem libertar-me desse tão 
apertado nó e desse vazio em ambos os lugares. Há um deles que vem chamando
 muito minha atenção... Pretendo fazê-lo hoje à noite, quando a chuva estiver
 mais grossa e os trovões abafarem meus gritos de socorro, 
surgidos pela corda (desatando o nó) em meu pescoço.

Alinne Ferreira