é só mais letras.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Sobre uma apresentação, uma casa, um suicida e o fato de eu nunca ter o visto sorrir.

É assim que tem planejado morrer? Em um quarto mal iluminado e vazio, e com alguns papeis, nos quais escreve compulsivamente? É me incluindo como espectadora que você se sentiria bem? Porque é exatamente assim que eu e sinto do outro lado do quarto, em uma plateia vazia na primeira fileira, assistindo ao espetáculo da sua morte de frente. Observando detalhadamente cada carta de despedida ser escrita por suas mãos tortas.

E você, nesse instante, começa a escrever a mais dolorida das cartas: A minha. Sei disso porque notei o seu olhar atento direcionado a mim. Me olhou como se fosse capaz de me incluir nesse seu espetáculo, como se eu tivesse a obrigação de subir ao palco contigo e participar do seu ‘show’. E, ai, eu me pergunto: “É nessa hora que eu devo subir, Vitor? É agora que eu deveria começar com o meu drama? É agora que eu tento impedir algo que você planeja a anos?” Não. Ainda não é minha hora de subir no seu palco, eu apenas fico em silencio e absolutamente imóvel, respondendo ao seu olhar dolorido e inquietante. E então você retorna seus olhos à folha branca e começa a escrever a despedida dirigida a mim. Suas mãos são ligeiras, mas faz pausas consideráveis. Pausas que me permitiu o atrevimento de me emocionar com suas lagrimas despejadas na folha.

Uma pequena e relevante observação: 
Você apenas chorou escrevendo a minha carta.

E quanta dor você não verteu ali, não foi? Cada uma das lágrimas que saia dos teus olhos trazia um pouco do que fomos. E me questiono: Será que se lembrou de como nos apaixonamos? De como eu queria te salvar? De como não consegui demonstrar isso? E eu queria atravessar esse quarto agora e te abraçar e te pedir pra tentar viver mais uma vez, dessa vez comigo. Mas eu não vou interromper sua apresentação.

Quanta dor! Quanta destruição a si mesmo. A tua alma inteira se entrou a um declínio absurdo, tua vida se arruinou dentro daquela casa. Quando foi que você decidiu que causar cortes e dores a si mesmo seria a melhor forma de alivio? Por que fez tanta questão de me contar sobre os calmantes? Por que me fez saber detalhadamente de tudo que ocorria com você se nunca me deixava ajudar? Porque que toda vez que eu me aproximo, você se afasta? Porque você gosta tanto desse seu quarto escuro? Por que se sente tão atraído a essa tristeza, a essa ruína? Por que o escuro te fascina tanto? Você é completamente apaixonado por essa amargura tatuada no seu peito, você gosta mesmo é dos pontos finais, da melancolia, de toda essa lama, essa sujeira. E eu deveria te deixar morrer no meio dessa tristeza. Ir embora e te deixar afogando nesse mar de angústia no qual você tem se jogado. Mas eu não ouso sair do seu quarto.

E eu queria ir até você agora, te pedir pra parar de escrever as cartas e implorar para que fuja comigo, te faria tão feliz que você me daria alguns sorrisos. Mas então, eu começo a escrever pra você. E o que deveria te salvar, me condena. Essa carta não é pra impedir a sua morte, é pra causar a minha. É uma pena você não poder lê-la.

Alinne Ferreira.