é só mais letras.

domingo, 25 de dezembro de 2011

As doze faixas na madrugada de sexta anoite.



Fora três. Três frascos inteiros de remédios que Lucia tomou. O primeiro continha alguns poucos comprimidos que restavam, os quais foram engolidos com certa agilidade. O segundo tomou calmamente entornando um vinho barato para ajudar a engolir de dois em dois comprimidos que lhe enfiava na boca. Já o terceiro levou para o quarto consigo e os ingeriu à medida que uma musica se seguia.
Musicas que Luci dedicou-se a escolher. Noite passada gravou um cd com suas favoritas e as que lhe haviam marcado algum momento de sua curta vida. Eram 12 faixas, 12 melodias extremamente dela, em algumas poucas exceções, Lucia permitiu-se dividi-las com outro alguém.
No quarto extremamente escuro e vago, Lucia se mantinha em uma cama num dos cantos, com o franco cheio em mãos e uma roupa bonita. Ela usava um vestido, talvez branco ou talvez cinza ao certo não sei, mas estava bonita. Estava bonita de mais pra morrer.
Começou o terceiro frasco de remédio ouvindo About a Girl da banda Nirvana,

I'll take advantage while
You hang me out to dry
But I can't see you every night
Free, I do...


Moveu os dedos entre os poucos cabelos e chorou, chorou depois de tanto tempo seca. Tagarelou a canção baixinho entre os soluços do choro. Havia tanto de luci em cada verso. Quanto tempo faz? Quanto tempo fazia desde a ultima vez que chorou? Há quanto tempo faz que, aquela menina miúda de cabelos escurecidos, preferiu guardar tudo ali dentro mesmo que aquilo a estivesse dilacerando, mesmo que toda aquela dor retraída causasse sua morte interna. Mas estava tudo tão bem com aquela pequenina, parecia. Eu juro que parecia.
Luci não se matou. Luci queria viver. Luci tentou viver, mas o amor, seu amor, há permitiu.
A musica termina. Há agora, aparentemente, um curto silencio entre uma canção e outra no quarto vazio e negro. Um silencio mórbido contando lentamente as batidas do seu coração, agora mais lento. Um... Dois... e outra canção começa. Fez Lucia sorrir, Strawberry fields forever Lembrou-se de quando ouviu Beatles pela primeira vez, a musica que a tanto define hoje, agora.


Viver é fácil com os olhos fechados
Sem entender tudo o que você vê
Está ficando difícil de ser alguém
Mas tudo funciona bem
E isso não importa para mim

Lucia, viver foi fácil. Viver era fácil quando entoava a canção sem sentir as dores da melodia.
Os quatro últimos comprimidos estão dançando na caixa e fazendo seu ultimo rodopio ate descer pela sua garganta. Lucia, exausta, recosta o corpo na parede que deveria ser branca. Luci suspira... lá se vai as outras cinco musicas do cd, aquelas cinco que lhe recordava a infância. A oitava faixa começa, a que trazia seu pai cantando uma de suas composições para a pequena:

Veja anjo, veja como esta claro lá fora.
O dia acaba de nascer pra você
Sorria pra ele.
Venha, venha aqui fora e dance comigo
Vou cuidar de você pra sempre. Tu és meu anjo agora.
A voz rouca aparentemente embriagada a fez faltar o ar, ficou sem respirar. Essa era uma das musicas que Lucia a permitia compartilhar era a musica dela e de seu pai. De repente não havia oxigênio suficiente pra lhe encher os miúdos pulmões, já estavam fartos de tamanha dor. Seguiu assim durante algumas canções do cd.
Luci quis voltar, queria fazer as dores no estomago diminuir. Lucia queria vomitar, queria viver. Inclinou-se a frente de seu corpo deixou o frasco cair de sua mão e deitou-se na cama gelada, sorriu.
Ela queria viver.
Houve outra vez um silencio notório e longo ate o começo da ultima canção...
Não consigo olhar no fundo dos seus olhos
E enxergar as coisas que me deixam no ar, deixam no ar
As várias fases, estações que me levam com o vento
E o pensamento bem devagar..
A musica ficou em tons baixos, os pequenos olhos inchados de Lucia foram se fechando imperceptivelmente. Não! Pensou ela, agora não. Essa é minha musica, a musica que dividi com aquele moço do parque. Eu quero ouvi-la. Pela ultima vez, por favor... Agora não, deixe-me cantá-la...
Sua suplica quieta foi calada. O escuro das pálpebras revelou a face do tal homem, lá mesmo, no parque. Uma troca de olhares e algumas poucas palavras. Foi bonito os dois parados em meio o parque. Foi bonito ver a doce Lucia amar, amargo é vê-la desfalecer nos braços do tal moço.
Luci com os olhos ainda fechados assistindo em suas pálpebras o tal moço, sorriu.
‘’Abre os olhos Luci, abre os olhos que tu estas nos braços do moço. Só abra os olhos Luci.’’

Um tanto atormentada, Alinne Ferreira

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