Começaria, por mais de um milhão de vezes, melodicamente mais uma de todas as cartas que enderecei a ti. Mas nesta irei usufruir de minha parte amarga, pois foi o que me restou depois de tanta singeleza escrita para ti, creio que por, esta, ser minha ultima. Fico feliz que ao menos tenha um pouco da amargura das minhas letras em tuas mãos, já que as tantas outras cartas guardo num baú verde-oliva debaixo de minha cama. Tentarei ser breve, mesmo porque as dores já estão me tomando todo o corpo e a alma.
Esta tarde foi demasiadamente clara e calorosa, obrigando-me a um desagradável passeio ao parque, Confesso que as tardes desperdiçadas dentro de casa começaram a me fazer falta no exato momento em que fechei a porta por detrás de mim, mas não voltei. Segui em frente rumo ao parque extremamente cheio. Minha pele estava pálida demais, ao ponto de ouvir cochichos ao longo do caminho sobre como eu estava branca e com aspecto adoentado. Creio que se assustariam se pudessem ver a aparência de minh’alma.
Eu senti saudade de casa. Confesso. Faziam menos de uma hora que estava naquele parque cheio, com crianças brincando, casais vivendo e vidas simplesmente cursando a maré agitada que a vida lhes colocava. E eu senti uma, imensurável, falta de casa, da minha sala bagunçada, do meu quarto escuro e de como eu podia ser unicamente eu. Sem ter de fingir não ouvir os comentários corretos a respeito de minha aparência, sem sorrir forçadamente para garotinha que me faz caretas na fila de pipoca, sem ter que lidar a todo tempo com a dor de ver as pessoas vivendo e não poder, não conseguir mais manter-se respirando.
Creio que nunca se sentiu assim. E se por um acaso sentiu, a tua dor e vontade de acabar com tudo não se compara a minha. Eu apenas ficaria imensamente grata se eu recebesse algum sinal de que esta sentindo minha falta, ou alguma resposta sobre os textos que ando escrevendo sobre os teus olhos e tua alma. Se ao menos tu conseguisse me ler como poucas pessoas se dispõem. Se pudesse me dar algum misero sorriso teu, mas tu dizes que de ti eu só tiro lagrimas, me diga: como posso lhe tirar lagrimas se há tempos nada sai de ti? Como ousa dizer que tens medo, olha bem pra mim, como posso lhe ferir amando-te tanto a ponto de me dispor a ti e tuas mudanças? Não vê que lhe quero bem? Eu por sorte apenas cansei de fingir esquecer tuas partidas e te receber com um dos meus mais doces sorrisos. Foi só isso, então não arrisque falar que não te amei, porque se alguém amou nessa curta historia esse alguém fui eu.
E é por essa razão que lhe redijo esta carta, só queria que soubesse que toda amargura que ficou cresceu, cresceu ao ponto de tomar totalmente parte de mim. E a doçura que sobrava eu despejava nas cartas descrevendo tamanho vazio deixado por tua desprezível ausência e de como seria bom ter a ti do meu lado (numa falha e fútil tentativa de lhe convencer a voltar e ficar).
Mas tudo bem tu preferes voar e conhecer céus mais estrelados. Vai por ai procurando sorrisos mais doces e olhares mais calmos, fazendo-me assistir de longe seu vôo plaino e perfeito, com suas asas de plumagem limpa e branca. Enquanto nem as minhas tenho mais, e se tenho ficaram sujas por ter de passar por tamanhos lugares imundos a procura de ti.
Queria apenas que soubesse que não, eu não resisti a tamanho abandono de tua parte. Deixo-te hoje esta carta em mão e espero que a lembrança do meu sorriso em tua memória. Não preciso pedir para que siga sua vida, porque já fazes isso sem que eu ao menos lhe permita, mas peço, com suplica para, que não leia as cartas que estão talvez em baixo de minha cama. Acho que seria um tanto doloroso pra ti saber que tentei entregar os avisos antecipados e inocentes de minha prematura morte interna, na tentativa que tu viesses me salvar do ato que cometeria. Penso que poderia ser diferente.
Dormirei para sempre hoje, no fim desta carta. E quero que saiba que será no teu sorriso que tentarei lembrar quando meus olhos se fecharem. De quem um tanto te amou,
Ane Lisse.
Alinne Ferreira